O Bairro da Torre é um distrito de gênese informal, nascido em terras tanto públicas como privadas ao lado do atual aeroporto de Lisboa, como resultado de uma ocupação ilegal por populações portuguesas, africanas e ciganas. Estas casas não legalizadas, são o resultado da ausência de uma política que não conseguiu responder nos últimos anos às deficiências e necessidades dessas populações com baixa renda. A busca de soluções menos tradicionais torna-se o meio alternativo pelo qual tenta-se "resolver" o problema da casa.
Essas pessoas estigmatizadas revigorando as classes sociais mais pobres, levaram as pessoas que vivem em centros europeus a não apoiar, como no passado, as políticas redistributivas, provocando e reforçando a disseminação do medo e da alteridade. As questões de segurança são utilizadas como instrumento de exclusão, tornando-se os principais instrumentos de divisão social. O medo das consequências resulta em intolerância, separa e afasta as pessoas, edifícios, espaços públicos, em um contexto de injustiça social que cada vez mais é transformada em injustiça espacial.
Neste contexto vivem atualmente 62 famílias, cerca de 300 pessoas, mulheres, crianças, homens, idosos, pessoas com deficiência e, em alguns casos, com graves problemas de saúde. Eles vivem em um bairro sem condições mínimas de higiene, com casas precárias, sem saneamento básico, nem sempre com água potável disponível.
Recentemente ONU-HABITAT publicou no relato "cidade mundial", que o atual modelo de urbanização é insustentável e que é necessário encontrar novos modelos, já que a porcentagem das pessoas que se deslocam para as cidades está crescendo. Pensa-se que os atuais 54% da população mundial que vivem nos centros urbanos podem subir no futuro próximo para 66%, com um aumento evidente das realidades informais em nossos subúrbios.
O tema das cidades informais para os europeus tem um sabor exótico (fácil é pensar as favelas brasileiras) poucas pessoas sabem que estas são realidades paralelas que crescem muito perto de nós, e como muitas vezes acontece em bairros semelhantes onde os fluxos econômicos são nulos, as únicas instituições interessadas são associações sem fins lucrativos e universidades.
E é precisamente a partir da o encontro entre a comunidade e um grupo de pesquisa da universidade da Faculdade de Arquitectura de Lisboa, o "Gestual" (grupo que busca através de um planejamento emancipatório de envolver os moradores e os cidadãos na tomada das decisões respeito ao lugar onde eles vivem), que começou agora um processo de inclusão deste bairro estigmatizado na sociedade. Com o objetivo de uma futura consolidação e integração por meio do planejamento urbano comum: seja através de práticas de auto-produção em seus habitats, seja através de movimentos de cidadãos em defesa de seu direito à moradia e direito à cidade.
A sinergia entre o conhecimento acadêmico e a vontade da comunidade está conduzindo a mudanças reais, tanto em nível local, com a emancipação das pessoas, ou conseguindo envolver outros atores no projeto como o município de Loures e uma empresa de recolha de resíduos que realizou a limpeza de um aterro a céu aberto e ao desenho de algumas áreas de lazer e um campo de futebol.
Através da criação dessas estruturas e espaços públicos, também de gênese informal, aciona-se um processo de recuperação das partes abandonadas e pobres da cidade; partes em que todos os cidadãos podem desfrutar de novos equipamentos, construindo condições de porosidade do tecido urbano dentro do qual eles podem participar de atividades de percolação mútuas dos diferentes grupos sociais, melhorando e consolidando a imagem do bairro para fora.
Ser capaz de reconhecer as necessidades das comunidades e as transformações espaciais em ato, não dependendo exclusivamente das perguntas formuladas por algumas classes sociais, oferece a oportunidade de reduzir as desigualdades no espaço.
A comunidade criou a sua própria associação de bairro, organizando reuniões internas começa a se relacionar diretamente com o município de Loures. E agora luta para atingir o objetivo principal, que é ter uma moradia digna, se possível através de projetos de autoconstrução alternativos.
Saiba mais sobre o documentário "Another Lisbon Story" aqui.